- Danilo Santos de Miranda
E agora? Os rumos dos festivais no Brasil
O texto a seguir traz as reflexões do diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda durante o debate “O que acontecerá com o teatro e os festivais depois da pandemia?” realizado no Festival Via Dupla dia 3 de maio de 2021.
Agradeço a Ângela Mourão e Marcelo Bones e parabenizo o Grupo Teatro Andante pelo Festival Via Dupla.
É um prazer grande colaborar com o festival e com a REDELAE , junto com Octavio Arbelaez, velho conhecido e querido amigo de muitas batalhas pela América Latina e pelo mundo afora. Já estivemos juntos em vários momentos também com os demais companheiros que compartilham esta discussão, entre eles a Raquel Araújo.
Em primeiro lugar, acredito ser necessária uma fotografia muito rápida deste momento pandêmico, muito difícil e complicado, que nós todos enfrentamos, que nos faz inventar maneiras para sobreviver .
Através da tecnologia e da criatividade nós estamos continuamente resolvendo questões, fazendo lives todo o tempo, discutindo de maneira bastante ampla todos os temas possíveis e imaginários.
No caso do Sesc de São Paulo, onde lidamos com várias pautas e linguagens, temos com muita frequência debatido e feito ações de música, teatro, dança, de artes em geral, da cultura, entre outras áreas em que atuamos, então estamos bastante envolvidos na busca por soluções para as questões que a pandemia nos trouxe. Entre eles, se encontram muitos problemas em todos os planos: pessoais, familiares, sociais, nacionais e internacionais. É algo que envolve todas as camadas, todas as dimensões, é abrangente. O lado sanitário, as questões ligadas à saúde e à economia são pautas mais evidentes e, claro, densas. Já o lado cultural e político, no Brasil, tem um significado especialíssimo, talvez diferente de todos os outros países, onde nós vivemos uma dupla, pelo menos dupla ou tripla, pandemia: a pandemia sanitária, ligada à saúde, a pandemia econômica e a pandemia política, que para nós é gravíssima, já que temos no poder pessoas que perseguem a cultura, o conhecimento, a inteligência, impedem ou dificultam a vida dos artistas. Somente através de mecanismos de apoio, como a Lei Aldir Blanc (tal como mencionado pela Ângela) foi possível correr atrás de uma solução. Aliás, Aldir Blanc foi justamente um autor e compositor brasileiro, poeta, que faleceu durante a pandemia e que já deu nome a essa lei que procura salvar a vida, salvar a situação de muitos artistas e de muitas pessoas envolvidas com o mundo da cultura.
A lei 14.017 (de 29 de junho de 2020) nos permitiu, portanto, uma sobrevida. Foi um sopro de esperança para alguns, embora ela também tenha tido problemas, ainda que de forma mais geral tenha trazido um certo alívio.
Então, essa fotografia que descrevo é uma fotografia tétrica, sinistra, desagradável de ver, mas é a realidade que nós temos hoje. A saída, até o momento, tem sido a tecnologia, uma forma de correr atrás de soluções para ajudar os mais carentes.
O Sesc desenvolve e desenvolveu novos programas destinados a isso que já realizaram muitas coisas como, por exemplo, mostrar artistas que se apresentam de sua própria casa, do quarto onde dormem, da sala onde vivem, da sua cozinha, se apresentaram em momentos difíceis de isolamento para que a gente pudesse ter música, teatro, dança, as artes visuais e debates dos mais interessantes e profundos possíveis. Tudo aquilo que nós fazíamos continuamos a fazer de maneira virtual, hoje. Em 2021, tivemos o Dia do Trabalhador e nós passamos 12 horas no ar através das mídias sociais com uma programação intensa voltada aos trabalhadores.
Em relação aos festivais, nós não os fizemos diretamente até hoje durante a pandemia. Nós participamos de alguns, inclusive alguns importantes, ajudando, colaborando, nos envolvendo em sua realização como parceiros. Mas o Sesc fez muitas lives, muitas atividades criativas, no sentido de buscar uma nova linguagem para o teatro, para a música, para a dança, através da tecnologia. Para mim, a grande saída é essa. Os festivais vão ter que descobrir, também, esse novo caminho, que é, uma vez mais, realizar festivais como vocês acabam de fazer e outros já o fizeram.
Com relação ao futuro, a instituição tem um portfólio, uma quantidade e uma pauta vasta de ações. Eu gostaria de afirmar primeiro que a incerteza e a imprevisibilidade permanecem. Então é muito difícil, de alguma forma, prever exatamente o que fazer. Acredito que nós não tenhamos condições de prever com muita exatidão a esta altura e de ter um horizonte claro, ainda mais com a situação agravada no Brasil, por diversas razões.
Mas sabemos da importância da cultura, das artes e das artes cênicas, em particular, e o quanto teremos que preservá-las. Trata-se de algo fundamental para o ser humano porque o que nos torna humanos é justamente a cultura, são as artes, é a maneira que nós temos de nos expressar de um modo mais elevado, além do caráter puramente material. Nós temos a capacidade de nos expressar através dos símbolos, através da palavra, através da imagem, do som ou da discussão de temas, de colocar diante do público questões graves, as questões mais graves que vivemos hoje, como sobre a própria pandemia, a afirmação da diversidade, aquilo que diz respeito a todos os temas de interesse da sociedade contemporânea, às comunidades. Será uma forma de abrir o debate com a sociedade.
Acredito que esses sejam legados deste momento histórico: os diálogos amplos e a busca por cada vez mais soluções novas. Temos que descobrir estratégias, maneiras criativas, condições para encontrá-las.
A importância da cultura está aí, vamos ter que descobrir novos formatos, modelos híbridos, modelos que nós estamos inventando. Muita gente do teatro e das artes cênicas tem trabalhado a partir de novas ideias e experimentações. Vamos ter que experimentar cada vez mais até fazer com que isso aconteça de maneira objetiva e direta. É também momento de valorizar aquilo que sempre foi fundamental para o ser humano: a convivência, o encontro, a luta contra o isolamento, contra as mais terríveis formas que prejudicaram o ser humano. Isso será superado com ações que permitam que a gente se encontre - seja através do virtual ou do presencial, que vai ter que voltar, se ampliar e se desenvolver ainda mais quando nós superarmos tudo isso.
Ainda que os problemas estejam por toda parte e que a pandemia seja uma questão comum a ser vencida, vivemos um drama muito grande no Brasil hoje por diversas razões, entre elas o negacionismo, a política inadequada, a própria administração do país, o ódio às soluções que interessam à sociedade como um todo por parte dos governantes. Aqui, é preciso vencer outros obstáculos muito graves que dizem respeito ao que nós necessitamos de mais premente no momento, que é valorizar a cultura, valorizar o encontro e voltarmos a ter um país mais solidário.
Por fim, gostaria de falar exatamente sobre a solidariedade. Sem ela, nós não temos saída. Somente a cultura, com seu traço ético, de interesse público, com sua transversalidade, como algo que tem a ver com os nossos interesses mais profundos, tem a condição de realizar isso. A arte, em geral, e as artes cênicas, em particular, têm um papel fundamental nesse processo. Por isso eu espero, sinceramente, que a gente retome não apenas a realização de festivais (sejam diretamente ou em parceria), mas que as artes cênicas ocupem novamente sua posição de grande vetor que evidencia problemáticas, discute, aprofunda reflexões e também cria encantamentos. Essa é a função das artes, contribuir para a transformação de que o mundo necessita. O Brasil é o país da desigualdade histórica e nós pretendemos tornar esse país melhor. Para isso, temos que lutar bastante. Isso vale para nós, vale para boa parte da América Latina e para boa parte do mundo. A desigualdade se torna cada vez mais presente na realidade atual, infelizmente. A pandemia botou isso para fora de alguma forma e nós precisamos combater e eliminar esse contraste da nossa realidade com solidariedade. Essa é a nossa luta permanente.
Muito obrigado.
Danilo Santos de Miranda
Diretor do Sesc São Paulo
*Texto publicado com autorização do autor.
Foto: Danilo_Santos_de_Miranda_divulgacao
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