- por Ângela Mourão
dFeria Donostia - San Sebastian 2020 - Quando o mundo mudou de repente
Susto, estupor, assombro, medo, sentimentos que podem nos paralisar ou nos impor um silêncio reflexivo, observação angustiada. Mas, uma hora a voz retorna, os pensamentos se reordenam e voltam a se transformar em ações, coletivas sempre, algo imanente ao teatro. Esperança.
O fato, que finalmente conseguimos publicar, é que o Observatório do Festivais chegou à Espanha, no dia 8 de março, para participar da famosíssima D’Feria, a Feira de Teatro de Donostia, nome basco para a cidade de San Sebastian, capital de Euskadi, nome basco para a unidade autônoma espanhola chamada, em castelhano, de País Basco.Esta Feira é sempre uma festa, muito reconhecida no circuito de feiras teatrais em toda a Espanha e visitada por muitos programadores, além dos espanhóis, de vários países de diferentes continentes, sobretudo os ibero-americanos. Encontro de dezenas de curadores e diretores de festivais de todo o território latino-americano, que preparam seus festivais e têm nessa feira basca importante referência.
Além de toda a significação para as artes cênicas, difícil não falar da beleza e gostosura que San Sebastián tem para oferecer, que faz de lá um destino desejado por todos! Cidade maravilhosa, a linda baia de La Concha e uma cozinha das mais famosas do mundo, fazem este trabalho teatral ainda mais prazeroso. Março de 2020, já com alguma notícia daqui e dali sobre o Coronavírus, a feira arranca com sua programação intensa, teatro lotados, foyers vibrantes, restaurantes e bares cheios de artistas e público comemorando e repercutindo os sete ou oito espetáculos de teatro e dança de cada dia.
Neste clima não havia nada que pudesse fazer-nos vislumbrar o que viveríamos daí a exatos quatro dias, quando a OMS declarou o surto de Covid-
outro no próprio País Basco onde estávamos, na cidade de Victoria-Gasteiz, a partir de um funeral com grande aglomeração de pessoas. Pááá... tudo mudou bruscamente (em poucas horas).
No almoço de confraternização no dia 12, soubemos que a Espanha decretara o estado de alarme e o isolamento social, como já conhecemos agora, que inclui desde o primeiro momento o fechamento de todos os teatros e manifestações artísticas. Estava decretado o fim da Feira de Donostia, bem em seu último dia (!!!), que sincronicidade (!!!), mas não para outras atividades, como o Festival Singular, na cidade de Narón, na Galícia, para onde nos dirigiríamos no dia seguinte, que precisou ser totalmente cancelado.
Espanto geral, tensão, peleja para voltar pra casa, países latino-americanos começando a fechar fronteiras, voos cancelados, famílias em aflição pela volta dos seus, incerteza, insegurança. Incrível que ainda tenha restado tempo e tranquilidade para o último espetáculo naquela noite, teatro já não tão cheio, mas repleto de artistas e público, talvez já conscientes da falta que sentiriam com a interrupção daquele deleite de estar ali naquele recanto, no escuro, acompanhado de outros na mesma sintonia, assim, tão próximos, se encostando, se roçando, unidos naquela viagem, imersos nas luzes, nos sons, nas vozes dos atores, naquele outro tempo e espaço que a ficção oferece desde que nos tornamos sapiens. Ali naquele momento já estávamos tão próximos do desconhecido, do momento que nos levaria a descobrir que não somos assim tão sabidos e que teríamos que nos submeter, nós, tão dominadores, tão orgulhosos de como somos capazes de subordinar tudo ao nosso prazer, de que estávamos à beira de uma situação sem controle como estávamos acostumados e que tanto nos dá prazer, ah, o controle....
Enfim, três dias depois, em casa. Recolhimento, interrupção, incerteza, expectativa, confinamento. Quem sabe, esperança, mesmo que difusa. Agradecimentos a Norka, de Donostia e Luciano, de Narón, nossos anfitriões.