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  • por Michele Rolim e Renato Mendonça

AGORA em Avignon e em Frankfurt

Michele Rolim e Renato Mendonça do site AGORA Crítica nos brindaram com este interessante Diário de Bordo do Festival de Avignon e de Frankfurt.

Super obrigado por compartilhar a experiência!


Foi uma viagem de apenas oito dias, mas serviu para o AGORA dar mais um passo no seu projeto de estabelecer contatos internacionais. Entre 9 e 16 de julho, os editores do site, Michele Rolim e Renato Mendonça, passaram por Frankfurt (Alemanha) e por Avignon (França) graças à parceria entre Goethe-Institut Porto Alegre (GI) e Aliança Francesa de Porto Alegre (AF). A viagem foi custeada parcialmente via projeto da AF financiado pela Lei Rouanet. No dia 5 de setembro, Michele e Renato compartilharão suas experiências em encontro que será realizado no auditório do GI da capital gaúcha.Frankfurt e Avignon renderam descobertas, prazeres e contatos diferenciados. Naquela que é considerada a capital financeira da União Europeia, entramos em contato com jornalistas, artistas, membros da administração da cultura e dirigentes de centros culturais. Apesar da brevidade, tivemos um vislumbre de praticamente todo o processo de estímulo, realização, reflexão e divulgação das artes vivas. Temos de registrar a vocação e o status diferenciados de Frankfurt em relação à cultura de outras cidades da Alemanha. Desde a Idade Média, a burguesia local entende e pratica a cultura como um direito do cidadão, e não uma demanda que disputa espaço com outras.

A coordenadora de artes cênicas de Frankfurt, Katharina Schröck, contou que o orçamento da cidade não prevê porcentagens de investimento na cultura: segundo ela, quando existe a demanda, esta é atendida, seja ela a construção ou a recuperação de um teatro, seja o estímulo de grupos de teatro integrados por imigrantes, sejam espaços dedicados ao público infantil e adolescente de teatro, para citar alguns exemplos. Não há contraste maior com a realidade brasileira, em que luta-se para comprometer o poder público a amparar a cultura via legislações que raramente são cumpridas.

Ciceroneado pelo pesquisador Wolfgang Schneider (Universidade de Hildesheim), o AGORA teve encontros com os editores da área de cultura Fridtjof Küchemann e Simon Strauss, do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, e com o coordenador do Centro Alemão de Teatro Infanto-juvenil Henning Fangauf. Também assistimos a uma performance/instalação/concerto a cargo do YRDWorks, da dupla de músicos Les Trucs e do contact Gonzo, realizado em área urbana degradada de Frankfurt. Visitamos dois centros culturais: Naxoshalle (instalado em uma ex-fábrica de lixas) e o moderno Künstlerhaus Mousonturm.

Avignon foi como mergulhar na arte. Mais precisamente, arte reconhecida como atividade econômica indispensável e valorizada como ferramenta de da cidadania. A programação oficial do festival se estende de 6 a 26 de julho, em salas, casas, ruas e outros espaços alternativos da cidade francesa, ocupados por 41 atrações de teatro, dança, circo, bonecos e performances, além de eventos de cinema, música, debates e artes visuais. A maioria dos espetáculos da mostra IN fazia sua estreia em Avignon. Entre 7 e 30 de julho, desenrola-se o chamado circuito OFF, com 1480 atrações. Havia locais de apresentação dentro e fora da murada medieval que delimita o centro de Avignon. Quando necessário, um serviço perfeito de ônibus transportava os espectadores até locais de apresentação distantes do centro da cidade. A Arte sendo um ótimo negócio: segundo o site oficial do evento, a programação oficial garantiria um aporte entre 23 e 25 milhões de Euros para Avignon.

A dificuldade para adquirir ingressos pela internet (sim, isso acontece naquele que é considerado um dos maiores festivais de teatro do mundo) foi contornada facilmente pelo tratamento que é dispensado à imprensa. Após nos apresentarmos na sede do circuito OFF, recebemos imediatamente credenciais para a mostra alternativa. Em ambos os casos, houve o reconhecimento natural da importância da crítica no processo que envolve a produção artística. O site oficial informa que Avignon recebe mais de 500 jornalistas durante o festival, que escrevem mais de 2 mil textos sobre o evento.

Nossa proposta foi experimentar o máximo possível das várias vertentes e dimensões do festival, como se pode ver pelos alguns exemplos a seguir. Dois espetáculos se diferenciaram pela grandiosidade: “Antigone”, criado pelo japonês Satyoshi Miyagi especialmente para o festival ,encenado em meio a uma pequena piscina montada no Palácio dos Papas; e “Die Kabale der Scheinheiligen”, do alemão Frank Castorff, mostrado no Parque de Exposições de Avignon, incluindo enormes cenários que se deslocavam, projeções em tempo real dos atores em cena e uma duração de espetáculo acima de cinco horas, no melhor estilo do encenador alemão.

O festival, fundado em 1947 pelo ator e diretor francês Jean Vilar, se caracteriza pelos contrastes: a capacidade das salas varia de 50 a 2 mil pessoas. E pela imersão absoluta: andar pelas ruas da cidade, sempre com uma temperatura por volta de 30 °C, significa topar com os próprios artistas distribuindo filipetas de seus espetáculos, desviar de incontáveis turistas, submeter-se a periódicas (e indispensáveis) revistas de bolsas e mochilas. Um dos destaques ficou por conta do encenador português Tiago Rodrigues, que mostrou “Sopro” ao ar livre, em um palco montado num convento construído no século 13. Partindo da figura do Ponto (profissional que “assoprava”, em voz baixa, as falas a serem repetidas em voz alta pelos atores), e valendo-se de um elenco que mistura iniciantes e figuras consagradas como Isabel Abreu, Rodrigues cria um espetáculo com várias camadas, todas consagradas à arte e ao compromisso com a vida.

Nossa experiência na Salle Ronde (no que parecia um antigo silo, com uma plateia de aproximadamente 50 pessoas) indicou como Avignon se constitui em vitrine para o mundo. No local, assistimos a duas montagens que viajaram ao festival para se apresentar no circuito OFF graças ao governo de Taiwan: “How Long Is Now?” (classificado como circo, em que os artistas faziam equilibrismo e acrobacias com objetos comuns de casa, como desentupidores, baldes, etc.) e “As Four Steps” (rigoroso trabalho de dois bailarinos e duas bailarinas, trabalhando sobre a tradição da etnia Paiwan). Ao nos identificarmos como jornalistas brasileiros, fomos abordados por uma produtora que nos entregou material de divulgação completo e ofereceu entrevistas com os diretores. Ou seja – profissionalismo a serviço da divulgação da arte nacional.

Não havia representantes brasileiros na edição deste ano em Avignon – os últimos grupos que se apresentaram no festival OFF foi em 2014 com “O Dia que Sam Morreu” (Cia. Armazém de Teatro/RJ), “A Tecelã” (Cia Caixa do Elefante/RS), “O Sapato do Meu Tio” (Cia do Meu Tio/BA), “Bill Dog” (Guilherme Leme dirige Gustavo Rodrigues/RJ) e “O Duelo” (Cia. Mundana/SP). Além da peça “Dizer aquilo que não pensamos em línguas que não falamos”, do Teatro da Vertigem, que no mesmo ano integrou a programação oficial do festival.

Outras reflexões serão detalhadas na forma de posts a serem publicados no site do AGORA (www.agoracriticateatral.com.br) nas próximas semanas. Entretanto, deixando as considerações estéticas para mais adiante, podemos apontar como pontos que mais nos impressionaram a valorização da cultura como atividade econômica e como afirmação de cidadania. Não se discute se a cultura, se a arte, se a reflexão estética, se a atividade da crítica são indispensáveis ou mesmo relevantes. Cultura é bem fundamental, natural e indiscutível, e como tal é valorizado. Não, não era efeito do abafado verão europeu: são conquistas que deveriam valer em qualquer lugar, em qualquer época.


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