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  • por Alexandre Vargas

Decifrando a crise dos festivais de teatro





UN SONRISA VALE MAS QUE MIL PALABRAS Martin Martinez Elcaro / (Argentina) - espetáculo que integrou o 8º FTRPA - Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre em 2016

No ambiente nacional de declínio público, os problemas dos festivais de teatro vêm sistematicamente à tona. Para terminar com os enigmas insolúveis e quebra-cabeças mágicos que envolvem mostras de caráter continuado é necessária uma reflexão sobre a sustentabilidade e a renovação do setor no país.


Acreditar que a crise é cambial, ou de redução de patrocinadores, ou de custeio de carga, esvazia o caráter objetivo de penetrar na raiz do problema e dilata autojustificações, além de induzir ao erro. A maioria dos festivais de teatro aborda suas negociações com o Estado, podemos dizer, com certo espírito de resignação. É uma debilidade pública que tem um alcance muito mais amplo do que as transações políticas e empobrece a todos nós brasileiros.


A atuação do Estado por intermédio do Ministério da Cultura (MinC), das leis de incentivo e de parcos recursos das estatais tem patrocinado os festivais de teatro e a difusão das suas atividades. Esse mecanismo se concentra, majoritariamente, no apoio à produção e difusão, e não no desenvolvimento e na organização desse setor cultural de imensa capilaridade.


Assim, nos moldes atuais, uma atuação mais enérgica, política e pública do MinC propiciaria o estímulo necessário ao crescimento do setor, à profissionalização da gestão e à estruturação das cadeias produtivas da economia e da cultura.

A atuação dos festivais nacionais e internacionais de teatro em conjunto com o MinC e em parceria com outros órgãos – como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), a Secom (Secretaria de Comunicação Social) e as estatais – é decisiva para potencializar a execução e a formulação de políticas de instrumentos financeiros para o desenvolvimento setorial. Essas ações são prioritárias para promover efetivamente o desenvolvimento do setor no Brasil.




Imagem: DNA de DAN – Maikon K / Curitiba (PR) - espetáculo participante do 8º FTRPA




Com o objetivo de ultrapassar seus desafios e ampliar a produtividade de tais parcerias, os gestores dos festivais tomam iniciativas para melhorias na captação de insumos, como a proposta de desenvolvimento de um sistema de indicadores dos festivais brasileiros, cujo objetivo seria o de fornecer informações essenciais ao planejamento e controle dos processos gerenciais e artísticos, possibilitando, ainda, o monitoramento e o controle dos objetivos e metas estratégicas no desenvolvimento de uma politica setorial. Diante desse contexto, o grupo de trabalho do setor vem desenvolvendo, desde 2015, pesquisas que visam a apresentar indicadores de impactos sociais, econômicos e de resultados formativos desses eventos. Deste modo, estabelece um movimento nacional, sem um assembleísmo inócuo e heroísmo momentâneo, que propicia o arranjo institucional para o desenvolvimento de uma política pública setorial.


Ao MinC foi solicitado adotar um novo enfoque cultural para o setor como parte de sua função institucional. Essa demanda clara foi apregoada no I Encontro Internacional de Políticas de Fomento e Sustentabilidade para Festivais de Teatro, ocorrido entre 6 e 8 de novembro de 2015, em Fortaleza, produzido pela Quitanda das Artes e articulado pela Política Nacional das Artes do Ministério da Cultura/Funarte. Mais precisamente, os gestores estão solicitando um enfoque que migre da visão de patrocínio para a de desenvolvimento e fortalecimento dessa cadeia produtiva, que possui inerente potencialidade de geração de resultados econômicos, emprego e renda, e ainda inegável capilaridade e valor como expressão simbólica da cultura desenvolvida em nosso país.


São inúmeros os festivais na iminência de não acontecer no ano de 2016, porque vêm acumulando perdas que estão abalando o seu sistema de financiamento nos últimos anos, crise que se potencializou recentemente.

As perdas estão relacionadas a editais públicos nacionais que deixaram de existir ou não tiveram continuidade; à perda de investimentos no setor; e a um desarranjo institucional do MinC com as estatais. Em alguns casos, os recursos dos editais públicos representam cerca de 40% dos orçamentos dos festivais de artes cênicas independentes. Uma minoria dos estados da federação possui linhas de financiamento, ou fomento específico para o setor, e a participação dos municípios é praticamente nula nesse processo.

O mercado cultural brasileiro dos festivais é vigoroso, mas não é estruturado. A competência dessa estruturação cabe ao MinC, em parceria com as diversas cadeias produtivas da cultura brasileira. Portanto esse setor está solicitando uma escuta mais apurada do ministério e de seus secretários de Estado.


Os últimos anos têm sido turbulentos para a realidade social, econômica e politica do Brasil. O conservadorismo e a violência se espalharam por todo o território nacional. Nesse contexto a economia vem moldando as ideias dos festivais e as causas são as circunstâncias da crise brasileira e a falta de uma política nacional de cultura setorial para os festivais. O impacto disso é um relativismo na dinâmica da programação e na logística organizacional, o que faz com que esses eventos percam suas identidades e entrem em declínio no sentido público.

Sem uma ação emergencial e estruturante em conjunto com o MinC as consequências serão desastrosas. Podemos projetar a própria extinção de festivais, ou passivos orçamentários, o que pode ser traduzido por não pagamento de serviços, dívidas com juros acumulados, títulos protestados e inadimplência. Sem contar evidentemente a perda do sentido de capilaridade que esses festivais possuem ao fazer chegar à população brasileira a produção de artes cênicas de outras regiões. [Os parágrafos seguintes exigem paciência do leitor para a travessia de dados fundamentais e raramente assim pensados].


"O conservadorismo e a violência se espalharam por todo o território nacional. Nesse contexto a economia vem moldando as ideias dos festivais e as causas são as circunstâncias da crise brasileira e a falta de uma política nacional de cultura setorial para os festivais."


Em 2015, o valor total captado no campo das artes por meio da Lei Rouanet foi de R$ 1.178.152.186,43 (um bilhão, cento e setenta e oito milhões, cento e cinquenta e dois mil, cento e oitenta e seis reais e quarenta e três centavos). Segundo os dados do Salicnet (sistema de apoio às leis de incentivo à cultura, que permite acesso à base de dados do Programa Nacional de Apoio à Cultura, Pronac), o ano passado, se comparado ao de 2014, teve uma retração de 11,73%, o que corresponde a uma redução de R$ 156 milhões para a cultura no país.


Do montante captado, 85,02% veio de empresas privadas, o que corresponde a R$ 1.001.643.486,21, enquanto o valor com origem nas estatais representa 12,10% do total, R$ 142.529.599,81. A contribuição da pessoa física no total desses recursos é de 2,88%, o que corresponde ao valor de R$ 33.979.100,41. Se houve queda na disponibilização de verba de pessoas jurídicas, por outro lado houve um crescimento de 34,98% na participação da pessoa física, número significativo que expressa aceitação da sociedade civil e pode indicar uma tendência.


O valor dos recursos disponibilizados pelas estatais, os já citados R$ 142.529.599,81, estão distribuídos da seguinte maneira: Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), participação de R$ 56.031.970,46, alta de 2.40% em relação a 2014. Banco da Amazônia, R$ 595.000,00, acréscimo de 138% em relação a 2014. Banco do Brasil, R$ 37.345.136,83, queda expressiva de 31,66% em relação a 2014. Banco do Nordeste do Brasil, R$ 3.684.398,74, crescimento de 51,34% em relação a 2014. Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), R$ 9.563.268,42, outra queda significativa de 44,74% em relação a 2014.


Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBTC), R$ 14.396.861,71, alta de 27,76% em relação a 2014, o que chama bastante atenção pela sua disparidade com as demais estatais. Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), com R$ 11.050.488,65, queda de 30,44% em relação a 2014. E Caixa Econômica Federal (CEF) com a participação de R$ 9.862.475,00, outra queda de 35,63% em relação a 2014. Em termos gerais os valores dispendidos pelas estatais, via Lei Rouanet, no ano de 2015, encolheram 14,95% em relação a 2014, o que corresponde a uma perda de R$ 25.061.054,90.


Do montante de R$ 142.529.599,81, referente ao apoio às artes por meio das estatais, apenas R$ 33.575.287,83 foram destinados às artes cênicas em 2015 (circo, teatro e dança), ou seja, 23,56%. Observa-se que em relação a 2014 é uma queda de 29,40%, o que corresponde a uma perda de R$ 9.872.416,13.


A distribuição desse valor de R$ 33.575.287,83 se deu da seguinte maneira. Em 2015 o BNDES patrocinou cinco projetos num total de R$ 2.262.360,84 assim distribuídos: Bolshoi Brasil 15 Anos – Um Espetáculo na Capital Federal, R$ 562.360,84; Retrovisor, série de espetáculos teatrais, R$ 250.000,00; Segunda Temporada Lírica 2015 Theatro Municipal de São Paulo, R$ 1.000,000,00; Semana Arte Mulher, R$ 200,000,00; e Programação Cultural da 17a Fenamilho Internacional, R$ 250.000,00. Pela disparidade de propostas conceituais contempladas é possível perceber que o banco não possui uma diretriz clara e objetiva para os projetos de patrocínio em artes cênicas, o que dá margem a especular sobre os procedimentos adotados.


O Banco da Amazônia disponibilizou R$ 200.000,00; o Banco do Nordeste, R$ 815.252,20; e o Banco do Brasil, R$ 10.804.397,35 – tendo este queda de 5,86% em relação a 2014. Esses recursos foram investidos basicamente em montagens teatrais e algumas circulações. No caso do BB, a produção é fortemente concentrada nos estados que possuem CCBB, como RJ e SP, além da cidade de Brasília. O BB não possui um edital público nacional para os festivais de teatro.

KASSANDRA – Grupo Teatral La Vaca / Florianópolis (SC) - espetáculo participante do 8º FTRPA


A Eletrobrás destinou R$ 3.303.029,69, queda de 54,89% em relação a 2014, o que corresponde a uma perda de R$ 4.019.958,05. Há mais de dois anos a estatal eliminou seu edital público nacional, um dos poucos que contemplava festivais de teatro, ainda que os valores fossem irrisórios. Os Correios investiram R$ 5.835.509,10, acréscimo de 135,30% em relação a 2014, empresa que também eliminou o edital público nacional que contemplava os festivais e concentrou os recursos em montagens e circulações. A Petrobras liberou R$ 10.354.738,65, queda de 24,14% em relação ao ano anterior, o que corresponde a uma perda de R$ 3.295.280,08.


A CEF participou com R$ 3.200.000,00, perda de R$ 3.729.750,00 em relação a 2014, quando teve a participação na disponibilização de recursos pela Lei Rouanet de R$ 6.929.750,00. Desse montante, R$ 5.893.750,00 foram para o projeto Prêmio Funarte Caixa Carequinha de Estímulo ao Circo, da Funarte; R$ 1.000.000,00 para O Ritual do Ilê AiyÊ no Carnaval 2014; e R$ 36.000,00 para o espetáculo O duelo. Na verdade a participação da CEF para o teatro em 2015 foi nula, pois esse valor de R$ 3.200.000,00, informado no Salicnet como “artes cênicas” patrocinou os seguintes projetos: Bloco Afro Muzenza – Carnaval 2015 – Nordeste negro, com R$ 400.000,00; Filhos de Gandhy – Carnaval 2015 – Águas sagradas e Oficinas de Capacitação para o Mercado do Carnaval, com R$ 1.000,000,00; O Ritual do Ilê Aiyê no Carnaval 2015, com R$ 1.000,000,00; Cortejo Afro – Carnaval 2015 – Iansã balé: A dona porteira do continente africano e Oficinas de Capacitação para o Mercado do Carnaval, com R$ 400.000,00; e por fim Malê Debalê – Carnaval 2015 – Kirimurê: o Malê reconta o reconcavo e Oficinas de Capacitação para o Mercado do Carnaval, com R$ 400.000,00. Chama a atenção que esses projetos tenham sido enquadrados como “dança”, artigo 18, o que tecnicamente significa 100% de isenção fiscal. Em anos anteriores a maioria foi enquadrada como música, exceção a O Ritual do Ilê Aiyê no Carnaval 2014. É difícil de pensar nesse processo sem intermediação de interesses. Pois estamos falando de R$ 3.200.000,00 investidos no Carnaval da Bahia e lançados no sistema do Salicnet como artes cênicas.


A CEF é hoje a única estatal com um edital público nacional para os festivais. No entanto sofreu forte queda nos seus investimentos em 2016. No ano anterior o banco investiu, através de recursos diretos e edital público nacional, o valor de R$ 2.328.610,00. Para 2016: R$ 1.795.000,00, retração de 22,92%, com o agravante de que 30% desses recursos estão concentrados no Sudeste. O MinC detecta que a maior parcela dos recursos do mecenato é destinada à região, no entanto, o montante disponibilizado pela Caixa Econômica Federal em 2016, que não é por meio de leis de incentivo, está concentrado no Sudeste, o que revela a fragilidade da relação das estatais com o ministério.


No ano de 2015 a verba destinada aos festivais de teatro representou 1,4% do total captado por meio da Lei Rouanet, R$ 16.494.130,61. A participação das estatais sobre tal montante foi de 11,78%, o que equivale a R$ 1.943.000,00. Destaque-se que 88,22% dos recursos de captação da Rouanet para festivais são de origem de renúncia fiscal das empresas privadas. Portanto, dos R$ 33.575.287,83 destinados às artes cênicas em 2015 (circo, teatro e dança), apenas 5,79% foi para os festivais, o que corresponde ao valor de R$ 1.943.000,00.

"Cabe ao MinC expor à população, com clareza,

por que a Lei Rouanet é incapaz de lidar com a

complexidade da cultura nos termos atuais"


A distribuição desse valor se deu da seguinte maneira: BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste do Brasil e Correios não destinaram verba para o setor. O Banco do Brasil aportou R$ 873.000,00 para os seguintes eventos: Festival Internacional de Teatro de Bonecos (MG), R$ 340.000,00; Festival Panorama 2015 (RJ), R$ 60.000,00; Mostra Estudantil de Teatro (RJ), R$ 33.000,00; e IV Cena Brasil Internacional (RJ), R$ 440.000,00.


Ainda no ano de 2015 a Eletrobrás, por meio da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), destinou R$ 500.000,00 para a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, sendo R$ 250.000,00 para a segunda edição e outros R$ 250.000,00 para a terceira, que acontece em março de 2016. A Petrobras distribuiu R$ 570.000,00, assim: R$ 320.000,00 para o XVII Festival de Teatro Brasileiro (DF) e R$ 250.000,00 para a Mostra de Teatro (RJ). Já a Caixa Econômica Federal anuncia participação de R$ 3.200.000,00, mas na verdade equivale a R$ 0,00 (zero real), pois esse valor patrocinou o Carnaval na Bahia.


Como podemos verificar, os recursos se concentram no Sudeste, com exceção do XVII Festival de Teatro Brasileiro (DF) que aconteceu no Pará, Espirito Santo, Alagoas, Ceará e Paraíba, e do investimento da CEF, voltado para o Carnaval baiano.

Tais recursos são inexpressivos se comparados ao valor total de captação por meio da Lei Rouanet. No entanto, é valor extremamente relevante para o setor, uma vez que o MinC não possui nenhuma linha de investimento ou fomento nos inúmeros festivais de teatro no Brasil, alguns com mais de 40 anos.


Quando o sistema de subsídio à cultura via renúncia fiscal foi criado no Brasil, há quase 25 anos, o contexto era de profunda recessão orçamentária para a cultura. Podemos dizer que o panorama de viabilização financeira do setor cultural mudou em mais de duas décadas, mas temos que assumir que nos últimos anos, e mais especificamente em 2016, a profunda recessão para a cultura explodiu. Cabe destacar que a precariedade no sentido conceitual, público e republicano sobre os direitos e a economia cultural é um retrocesso sem precedentes que compromete a estruturação social do país.


Os interesses e o risco do dirigismo sempre existem, seja do governo, dos empresários, da militância do partido da hora, da classe artística, dos sindicatos ou dos congressistas. O significativo é termos uma política cultural e de mecanismos de fomento e financiamento que dê conta do direito constitucional do cidadão de estruturação do crescimento do setor cultural. E ainda profissionalização da gestão e da estruturação das cadeias produtivas da economia da cultura. Função republicana do MinC que o setor dos festivais de teatro vem reivindicando.

Como demostramos com as distorções relatadas, é clara a falta de alinhamento politico e institucional do MinC com as estatais, o que pode indicar inversão de prioridades no uso de recursos públicos, agravada ante a escassez de verbas para a cultura.





AS AVENTURAS DO FUSCA À VELA – Grupo Ueba produtos notáveis / Caxias do Sul (RS) - espetáculo participante do 8º FTRPA




Um parecer técnico do Ministério Público (MP) ou do Tribunal de Contas da União (TCU) deveria ser emitido sobre a relação do MinC e as estatais de modo a investigar se a falta desse alinhamento politico, institucional não estaria, de fato, transgredindo o princípio do interesse público.


O Ministério da Cultura considera positiva a decisão do Tribunal de Contas da União de que projetos culturais lucrativos não se beneficiem da Lei Rouanet. A justificativa é de que há distorções na lei, que beneficiaria apenas “consagrados” e não atenderia aos interesses públicos. Sim, existem distorções na Lei Rouanet, mas não é verdade que o mecanismo beneficia apenas nomes consagrados. A representação que provocou a decisão do Ministério Público junto ao TCU se refere ao Rock in Rio, mas os ministros estenderam os efeitos de tal decisão a todos os eventos culturais que forem buscar apoio da lei. A alegação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União é de inversão de prioridades no uso de recurso público.


Segundo os dados do Salicnet a empresa Correios é a maior patrocinadora das duas últimas edições do Rock in Rio, contribuindo em 2013 com R$ 3.000.000,00, o que representa 31,08% sobre o total do valor captado pela Lei Rouanet. E com R$ 2.040.000,00 em 2015, o que representa 50,50% do valor captado via Lei Rouanet pelo referido projeto. O viés concentrador delegado somente à Lei Rouanet é uma falsa pista. Existe inversão de prioridades não apenas no uso do recurso público, mas também na constituição da agenda política. A distorção é na condução da política pública da cultura e não apenas no uso de recursos da Lei Rouanet. Não é grave que os Correios, uma estatal, seja a maior patrocinadora via Lei Rouanet nas duas últimas edições do Rock in Rio?


Ainda que a Lei Rouanet não atenda às demandas da cultura nacional, o alcance, a transparência e os resultados desta não encontram paralelo em nenhum outro programa do MinC. Milhares de projetos em todos os estados são operacionalizados, sem precedente no Brasil, o que torna a Lei Rouanet o principal mecanismo de financiamento da cultura na atualidade. Corrigir as distorções é imprescindível e, segundo o ministério, deve sair até março a nova instrução normativa da lei, buscando dar mais eficiência e rapidez às análises de projetos. Precisamos que o Senado aprove uma nova lei? Mas e o projeto do ProCultura [Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura], que ainda está em tramitação, recebeu que modificações?

O debate é rico para a sociedade e quando outras instâncias participam dele é sinal de que a questão está reverberando mais amplamente e não apenas no âmbito do setor cultural. Cabe ao MinC expor à população, com clareza, por que a Lei Rouanet é incapaz de lidar com a complexidade da cultura nos termos atuais e por que o ProCultura é uma lei melhor.


Institucionalmente quem deve ser capaz de lidar com a complexidade da cultura brasileira é o Estado e não a Lei Rouanet ou o ProCultura. É o MinC que, soberanamente, cria condições para fomentar as atividades sem apelo mercadológico, de experimentação e de formação. E deve fomentar também o mercado cultural que explora as dinâmicas lucrativas e o estímulo às parcerias público-privadas, trazendo recursos para a cultura. Sem falar nas questões trabalhistas, fiscais e tributárias.


É difícil conceber um panorama nos festivais que esteja centralizado no fato artístico e público com as circunstâncias descritas. As dificuldades são mais robustas do que a questão cambial ou a reformulação da Lei Rouanet, ou a aprovação do ProCultura. A necessidade é de que o Ministério da Cultura assuma com vigor e inclua na sua agenda pública e politica, para a sociedade brasileira, a adoção de um novo enfoque cultural como parte de sua função institucional para o setor dos festivais de teatro no país.



















Alexandre Vargas (Porto Alegre/RS) é ator, diretor, dramaturgo, produtor e Coordenador do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre



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