- Marcelo Bones
A MITsp e um pensamento sobre festivais de teatro
Regresso da 2ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo bastante feliz por ter acompanhado quase toda a programação, participado do encontro de programadores e gestores de festivais e recebido uma boa dose de provocação sobre o tema da organização e curadoria dos festivais de teatro. Acredito que a MITsp, mesmo sendo uma mostra novinha, em sua segunda edição, construiu um importante espaço de debate artístico através de seus espetáculos e debates, além de uma importante contribuição sobre os formatos dos festivais de teatro.
Acompanhando e participando ativamente nos últimos anos do debate realizado por programadores, gestores, pensadores e artistas, acredito que há uma tendência em se identificar nitidamente certa crise na formulação dos festivais de teatro que reverbera principalmente na construção de sua programação e gestão. Esta crise atinge eventos no Brasil e no mundo e perpassa de maneira distinta, mas contundente, cada iniciativa de festival e mostra. Penso que uma questão importante localiza-se na pouca clareza conceitual de vários destes festivais. Se durante muito tempo os festivais traziam a grande novidade, o que ainda não tinha sido visto, o novo, vivemos hoje um momento histórico onde as pessoas e os artistas em particular circulam muito mais, a internet nos deixa a par do que está acontecendo em outros centros importantes de produção teatral e a informação circula de maneira muito rápida e eficaz, fazendo com que os festivais deixem de exercer o papel de trazerem aquilo que não se conhece. Os festivais, hoje, já não podem se contentar em ser apenas uma coleção de bons espetáculos.
O exemplo da MITsp chama nossa atenção como uma das possibilidades de superação desta crise conceitual e de identidade dos festivais. Estão presentes nesta Mostra alguns elementos que nos ajudam a pensar e apontar caminhos. O primeiro é uma definição clara de um conceito curatorial: alguns temas de reflexão, por exemplo, no caso da segunda edição, a aproximação do teatro e do cinema e o debate através da arte de alguns conflitos mundiais como a questão Palestina/Israel e o conflito Rússia/Ucrânia. Fica clara também a não submissão da MITsp a obras que chamo “espetáculos de oportunidade”, oferecidos por governos e agências com facilidades (apoio para passagens, cargas, cachês, etc.) que muitas vezes não têm alinhamento com o pensamento curatorial. Conceitualmente também faz uma opção clara sobre seu tamanho: número reduzido de espetáculos e quase todos apresentam desafios de produção (muitos atores, muita carga, complexidade técnica, etc.). Outro ponto interessante é a valorização e distribuição equitativa da mostra entre a apresentação dos espetáculos, olhares críticos e encontros formativos. Por fim, creio que há ainda um fator muito interessante para se pensar: a associação da Mostra a patrocinadores que também desenvolvem um pensamento reflexivo sobre a cena teatral e sobre conceitos de programação. O SESC-SP e o ITAU Cultural são instituições promotoras de um pensamento depurado sobre a arte e a cultura. Certamente este “pensamento” histórico acumulado por estas duas instituições, dialogaram com a gestão e curadoria da MITsp.
Acompanhando a 2ª MITsp entendo que ela conseguiu achar um espaço de construção de um discurso a partir da "provocação". Conseguiu trazer, nestas duas edições, provocações para o público, para os artistas e também para os realizadores de festivais. A MITsp mostra que hoje é fundamental um festival trabalhar com a construção de um conceito e ser capaz de produzir um "discurso" sobre um ou mais temas. Claro que não acho o formato da MITsp uma fórmula aplicável a todos os festivais mas, sim, um apontamento para estes. Cada festival tem que achar seu caminho, sua identidade e sua potencialidade. Para isto é fundamental o entendimento dos seus objetivos e limitações. A necessidade de se ter um recorte claro (conceito) e buscar impactar de alguma forma a cidade e os fazedores de teatro é fundamental para fugirmos de uma fórmula já atrasada de “festivalismo populista”. Achei interessante reler a entrevista dada ao Observatório dos Festivais por Guilherme Marques (Diretor de Produção) e Antônio Araújo (Diretor Artístico) e verificar que o que eles pontuaram em relação ao pensamento artístico e de gestão é facilmente identificado no dia a dia da Mostra.