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  • Marcelo Bones

Mostra Nacional de Teatro do México


Teatro e política sempre foram, em minha trajetória de artista, gestor e programador, parceiros indissociáveis. Mas acompanhar as manifestações dos artistas envolvidos na 35ª Mostra Nacional de Teatro do México em 2014 foi, para mim, uma experiência emocionante. No dia 26 de setembro, 43 estudantes da Escola Rural de Ayotzinapa, a 247 km da cidade de Iguala, sul do México foram presos pela polícia e, sob as ordens do prefeito, entregues a uma quadrilha de narcotraficantes que simplesmente sumiu com os adolescentes. Sem vestígio até agora, sem corpos para enterrar, sem apurações profundas, o povo mexicano se entregou a indignação e revolta manifestando nas ruas de todo o país. De 7 a 15 de novembro, aconteceu na cidade de Monterrey a 35ª Mostra Nacional de Teatro.

Esta mostra é organizada pela Coordenação de Teatro do Instituto de Belas Artes do México. Foram 430 inscrições e cinco jurados elegeram os espetáculos que se apresentaram na Mostra que acontece a cada ano em uma cidade diferente do país. Somam-se às apresentações debates, encontros, oficinas, etc. A Coordenação de Teatro, há três anos, deu início a uma ação de internacionalização e convida programadores internacionais para acompanhar as atividades. Nos dois primeiros anos foram apenas alguns poucos convidados, mas em 2014 este número cresceu para 20 curadores de diversos países, na qual fui como único representante do Brasil. Lá estavam programadores do Festival Iberoamericano, de Bogotá, Festival Grec, de Barcelona, Complexo Teatral San Martin de Buenos Aires, Instituto Nacional de Teatro da Argentina, Festival de Manizales, Santiago a Mil, Casa Latinoamerica Theatre Festival London e outros importantes curadores da cena teatral.

Nos dois primeiros dias do 3º Encontro de Programadores foi realizada uma atividade bem interessante: cada programador convidado, se assim desejasse, apresentava seus projetos mais autorais e depois realizávamos uma espécie de rodada de negócios entre os programadores. Apresentei a Platô – Plataforma de Internacionalização do Teatro, como exemplo de possibilidade de criação de consórcios para a internacionalização e o Observatório dos Festivais. Foi muito boa a repercussão, com várias pessoas me procurando para falar mais sobre os projetos, seu desenvolvimento e suas possibilidades futuras. A revista “Passa Gato”, especializada em teatro e a mais importante do México, nos pediu um artigo para a publicação no seu próximo número, relatando as atividades do Observatório dos Festivais. Nos outros três dias do encontro, realizamos também uma rodada de contatos com os grupos e Cias. mexicanos.

Em nove dias, foram apresentados 35 espetáculos de diferentes matizes e linguagens. Teatro de vanguarda, clássicos, releituras, para crianças, para jovens, certinhos e doidões, etc. Fiquei positivamente surpreendido com a qualidade da produção mexicana. Espetáculos de bom nível técnico e criativo quase na sua integralidade, com boas atuações e elaboradas concepções de direção. Acredito que o México está passando por um momento muito bom de criação e fazendo um visível e eficiente projeto público de internacionalização o que, certamente, influencia muito sua produção.

Ademais da rica e forte diversidade chamou-me a atenção uma convergência: todos os espetáculos fizeram menção ao cruel fato recente: o desaparecimento dos 43 adolescentes. Todos leram manifestos ou falaram ao final das apresentações, pediram minuto de silêncio, interromperam sutilmente as apresentações e contaram até 43, o ator de um espetáculo solo contou sem emitir som, em outro elenco de treze pessoas cada artista contou um número e se jogou “morto” no palco e o público continuou até o 43, outros disseram bem alto, “este governo não me representa, e a você?” e apontava para um espectador que também repetiu a pergunta para outro espectador e assim numa corrente crescente e envolvente de todos do público. Nos encontros, debates, nas conversas antes dos espetáculos, só se falava sobre isto. Os mexicanos também estavam admirados, pois, me disseram, a sociedade daquele país sempre foi pacata e pouco sensível a acontecimentos como este.

Senti-me privilegiado de acompanhar um movimento tão forte de protestos e mobilização e ver uma mostra de teatro e o próprio teatro em si fazerem parte orgânica e visceral de um momento importante e histórico do México. Acompanhar o engajamento de eventos assim justifica a existência das Mostras, encontros e festivais. Ou melhor, só se justifica a existência destes eventos, se estiverem fortemente relacionados à vida, ao dia a dia dos cidadãos e da sociedade.


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