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por Marcelo Bones

Dilemas e Possibilidades da Circulação Internacional



















O diagnóstico que temos hoje sobre a presença de espetáculos teatrais brasileiros no exterior é certeiro e definitivo: existe um abismo entre a nossa volumosa, potente e diversa produção e a circulação destas obras em outros países. Certamente não é uma exclusividade do setor do teatro, mas uma reflexão sobre este fenômeno certamente pode contribuir para todos os outros setores artísticos.

A existência de alguns projetos que logram fazer circulação internacional são exceções que confirmam a regra. São poucos, pontuais e sem continuidade. O teatro brasileiro tem participação menor nos festivais e nas programações nas salas de teatro pelo mundo. Para citar somente alguns exemplos: O FIBA – Festival Internacional de Buenos Aires deste ano, um dos maiores festivais da América Latina, não tinha nenhum espetáculo brasileiro em sua programação. Por curiosidade, estavam presentes, na semana dedicada a programadores internacionais, vinte curadores do Brasil, a maior delegação estrangeira presente no festival. O FIDAE 2013 - Festival Internacional de Artes Escénicas do Uruguay, realizado em outubro de 2013, também não contemplou nenhum espetáculo brasileiro. O festival chileno Santiago a Mil, também entre os cinco maiores festivais da América Latina, tem programado para janeiro de 2014 apenas duas obras de dança com origem no Brasil, nenhuma de teatro. Nos festivais, salas de teatro, feiras e mercados na Europa e Estados Unidos, a presença brasileira é mínima como é também no vigoroso e recente mercado asiático. E certamente, não podemos imputar a culpa aos programadores destes festivais.

A inexpressiva presença dos espetáculos brasileiros no exterior é conflitante com a visão que o mundo tem hoje de nosso país. O Brasil, na última década, tem assumido um novo papel na conjuntura política mundial. Pela importância econômica, pelos grandes eventos esportivos e também pela descoberta da diversidade da cultura nacional, tem crescido muito o interesse e a curiosidade dos outros países sobre o que fazemos artisticamente dentro de nossas fronteiras. Mas este novo papel geopolítico e este “novo olhar” não trouxeram como consequência a expansão da presença de nossa produção cênica em festivais, feiras ou mesmo em salas de programação teatral.

Sem a pretensão de nomear todos ou esgotar o tema, levanto alguns pontos que podem contribuir para o debate sobre os motivos que levam tão poucos espetáculos brasileiros ao exterior:

1 - Faltam ao Brasil políticas públicas para o desenvolvimento da internacionalização de nossa produção artística. Diferente de muitos outros países, inclusive alguns vizinhos, inexiste uma agencia de fomento, um órgão público, um programa robusto envolvendo vários ministérios, com ações estratégicas e articulações institucionais para tratar de nossas relações no campo artístico com o resto do mundo. Um exemplo: há na Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC) do Ministério da Cultura um edital de Intercâmbio e Difusão Cultural. É uma das pouquíssimas possibilidades de se conseguir passagens e ajuda de custo para a circulação. Mas este edital não foi desenhado exatamente para este fim. Abarca uma gama enorme de outras possibilidades de ações e não consegue potencializar a circulação como uma estratégia de exportação da produção teatral brasileira.

2 - O idioma é também uma questão para ser abordada. Sermos o único país de língua portuguesa na América Latina e Portugal o único país falante de nosso idioma na Europa, traz dificuldades para que a produção nacional seja programada em muitas salas de teatro e festivais. Atualmente, aproximadamente 250 milhões de pessoas no mundo falam o português e o Brasil responde por cerca de 80% desse total. Certo que alguns grandes festivais estão equipados para a legendagem de espetáculos, mas existem também muitíssimos festivais menores e salas de teatro que não estão preparados para isto. Também, de forma geral, não se cuida com esmero das traduções, confecção de subtítulos e preparação de operadores com conhecimento de equipamentos, etc. É importante empreender um esforço para lidar com a tecnologia da legendagem e também estudar possibilidades de realização dos espetáculos em outros idiomas. Mesmo que num portunhol arranhado, é simpático para os espectadores o esforço dos atores em comunicar-se mais diretamente com o público.

3 - Temos um país muito grande e, em alguns lugares, com difícil acesso. Já é tão complexo circular no Brasil que o esforço de internacionalização fica sempre em segundo plano nas prioridades de produção e de investimento público. Mas não devemos cair na armadilha dicotômica de primeiro criarmos condições de circulação interna e depois sim, fomentar a circulação para o resto do mundo. Necessitamos das duas juntas e complementares.

4 - Os festivais brasileiros de teatro há pouco tempo começaram a desenvolver ferramentas e plataformas sistematizadas de aproximação de programadores internacionais com as produções locais. Esta é uma prática muito desenvolvida em outros países e tem sua efetividade comprovada. Os principais festivais latino-americanos como o Stgo a Mil (Chile), FIBA (Argentina), Festival Ibero-americano de Teatro de Bogotá, Festival de Manizales (Colômbia), Mercado de Artes (Uruguai), são apenas alguns exemplos sólidos do fomento de política de exportação do teatro de seu país. No Brasil as experiências são bem recentes, ainda não sistematizadas e com seus impactos não avaliados: o Festival Cena Contemporânea de Brasília realiza por anos o Encontro do Cena, O FIT BH – Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte realizou na sua edição de 2012 a Rodada de Negócios, experiência também repetida no Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre na sua edição de 2013, o Tempo Festival do Rio de Janeiro promoveu um evento específico sobre Artes Cênicas e Negócios em sua edição de 2013. São iniciativas fundamentais, apesar de tão poucas.

5 - Os fazedores de teatro no Brasil, de maneira geral, não dedicam muita importância à estratégia da internacionalização. Colocam em segundo plano o que pode ser uma rica oportunidade de trocas artísticas e de experiências com culturas tão diferentes da brasileira. Em alguns casos, existe também uma resistência a termos como “produto,” “mercado” e “negócio”. Mas é importante resgatar alguns destes conceitos na sua origem e reconectar este linguajar para as experiências salutares de trocas, intercâmbios, remuneração justa ao trabalho, etc. Este espaço internacional deve também ser visto como mais uma possibilidade de receita na manutenção dos núcleos e projetos artísticos. Por outro lado também é importante que o recém-chegado discurso da “economia criativa” não reduza as relações artísticas, que têm especificidades bem conhecidas, a meras relações mercantis.

6 - Não devemos focar somente nos grandes eventos, nos grandes festivais internacionais. Existem muitos espaços com potencial de criação de oportunidades na difusão: pequenos festivais, projetos temáticos, iniciativas de coletivos e intercâmbios com artistas, salas de apresentação, aproximação com nossa fronteira territorial, etc. Importante também não discriminar qualquer fazer teatral. A circulação internacional é importante de ser estimulada não só para os produtores e fazedores mais estruturados e não só para um determinado “tipo” de teatro. É fundamental a inclusão de todos numa cadeia articulada e generosa.

Se existe uma realidade muito adversa, podemos também direcionar nosso olhar para um horizonte muito promissor. Se não ocupamos o espaço merecido e esperado, temos então uma grande oportunidade pela frente: um grande campo ainda não explorado, sobre o qual podemos, com uma estratégia organicamente construída, vislumbrar uma promissora participação do Brasil no cenário artístico internacional.

Estes pontos são apenas fagulhas no intuito de acender a chama do debate. Creio que é fundamental para todos, termos abertas as portas deste amplo mercado internacional incluindo possibilidades inúmeras de vivencias artísticas. É urgente um sobre-esforço de todos: do Estado, dos artistas, produtores e setores organizados da sociedade, objetivando a criação de uma clara política de internacionalização de nossa produção teatral. Ganham os fazedores, com mais uma possibilidade de sustentabilidade econômica e de intercâmbio artístico. Ganha o Estado, pois pode apresentar para o mundo uma cena artística inovadora e criativa, além de gerar valor econômico nas nossas exportações, ganha o público que terá uma produção cada vez mais sofisticada e complexa resultante do contato de nossos artistas com a produção mundial.


* Marcelo Bones é diretor de teatro, Diretor de Artes Cênicas da FUNARTE/MINC de 2009 a 2011, é consultor e programador de festivais de teatro no Brasil e Diretor Executivo da Platô – Plataforma de Internacionalização do Teatro MG.


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