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por André Carreira

As artes cênicas no mundo pandêmico



O texto a seguir traz as reflexões do diretor André Carreira (Brasil) durante o debate “Como os criadores se lançaram às novidades trazidas pela pandemia?” realizado no Festival Via Dupla dia 30 de abril de 2021.

A obra “Siete Momentos de Cualquier Manera”, dirigida por ele, também integrou a programação do evento.


Em primeiro lugar queria demarcar que é muito ruim a gente ter que começar todos esses eventos denunciando o genocídio que o país está experimentando, mas é necessário e importante dizer que seguimos juntas resistindo das maneiras possíveis.


Sobre a pergunta que o Festival Via Dupla propõe, tentarei responder primeiro dizendo que o trabalho que fizemos com o Concurso Cenas do Confinamento é uma das formas de resistência ao isolamento social imposto pelas medidas sanitárias decorrentes da Covid-19. Considero que a criação do espetáculo que montamos com um dos textos selecionados no concurso, Siete Momentos de Cualquier Manera, é uma continuidade disso porque foi uma forma de estarmos juntas.


ngela Mourão, organizadora do Festival, fez parte da equipe desse espetáculo que a gente está apresentando, e que surgiu dentro de um processo posterior do concurso mencionado acima, atividade que organizei junto com Vanéssia Gomes e Narciso Telles. Se tratou de um concurso de dramaturgia internacional lançado logo no começo da pandemia, assim que ficamos encerradas em nossas casas.


Posteriormente este concurso deu origem a um livro a partir da seleção feita por gente de vários países. Os autores e as autoras também eram de vários países.

O texto Siete Momentos de Cualquier Manera é de autoria da diretora argentina Beatriz Cattani. Trabalhando com ele construímos a montagem, que nasceu para o Festival Ibero-americano de Teatro de Cádiz (Espanha), cuja proposta era discutir a prática do teatro nos tempos dos confinamentos.


Portanto, o trabalho dessa equipe e seu processo têm que ser entendidos como parte desse Concurso e é parte da tentativa de um movimento de pessoas que queriam continuar fazendo alguma coisa, e não apenas ficar em casa.


A equipe que foi armada também buscou responder a uma característica que vinha do Concurso, isto é, ser uma equipe internacional, com gente de diversos países, criando dentro de suas próprias casas. Tentando criar e mantendo viva a produção cênica. Quando a gente começou a pensar na equipe para formar o elenco, o impulso foi ter mulheres, atrizes de diferentes países, um número até maior que o número de personagens da peça. Por isso, dobramos e fragmentamos as personagens; queríamos formar uma equipe e continuar produzindo juntas. Então, uma parte importante dessa encenação se estruturou no desejo de estar com outras pessoas – mesmo à distância - fazendo alguma coisa. Aproveitamos a circunstância do aparecimento dessas novas plataformas de comunicação, que ficaram mais acessíveis ao longo de 2020, para poder fazer processos criativos com pessoas que nos interessavam, e que estavam distantes.


Siete Momentos foi criado com uma premissa bastante interessante: a direção procurou contribuir com as atrizes que, além de atuar, faziam a captação das suas próprias imagens na solidão das suas residências. Mesmo tendo a possibilidade de ter alguém junto, um parceiro ou uma parceira, a gente concentrou muito mais na ideia de que cada atriz capturasse a sua própria imagem, escolhesse os ângulos, experimentasse. Além disso, propusemos também que elas trabalhassem em duplas através do Zoom. Para tanto a cena foi dividida contemplando duas vozes por fragmento, e isso tinha a ver com a tentativa de produzir alguma coisa que nos permitisse sentir que estávamos fazendo teatro, ou fazendo o esforço de continuar criando teatro. Acho que isto é uma das situações chaves da pandemia para quem faz teatro: tentar. Lógico que está colocada a pergunta: isso que fazemos é teatro?

Creio que todo mundo que está vivendo esse momento convive com essa questão. Ela circula insistentemente entre nós: isso é teatro ou, ainda mais, isso é um novo caminho para o teatro?


Pessoalmente eu não tenho muito interesse em aprofundar essa discussão, porque eu acho que a gente está em um momento de emergência, e produzimos movimentos para continuar criando, assim vamos mantendo vivos espaços de convivência, espaços de interação e, em muitos casos, espaços de sobrevivência.

São esforços que utilizam tudo que está disponível para produzir e criar. Aqui no Brasil, utilizando a Lei Aldir Blanc para tentar continuar trabalhando profissionalmente e lutando contra uma dificuldade imensa.


Eu tenho a sensação de que essa peça (Siete Momentos), e a forma como nós trabalhamos, serviu para construir uma rede, isso estava na ideia matriz do Concurso que foi o ponto de partida. Começamos a organizar o Concurso como uma forma de fazer alguma coisa, ainda que informalmente. Liguei para as pessoas, isso foi se multiplicando e logo sentimos que estávamos produzindo um pensamento sobre o momento concreto que vivíamos. Percebemos que era um pensamento que nascia a partir dos processos de criação teatral. Nesse momento da pandemia, e aqui no Brasil onde tivemos um último mês devastador (abril de 2021) e estamos tentando preservar a vida continuando, majoritariamente, em nossas residências, continua impactando o desejo de estar com alguém, criando. Há muitos processos de criação relacionados com esse desejo, com esse impulso de continuar mantendo as redes de relações e as redes de criações vivas, apesar das limitações. O uso dessas plataformas virtuais abriu uma série de possibilidades para a experimentação, pois as plataformas foram ficando mais complexas, mais flexíveis.


Evidentemente quem faz teatro continua sentindo a carência, a necessidade de estar no espaço como a maioria das pessoas para conviver no mesmo espaço, ainda que a experiência com contato físico, o contato dos corpos, pareça distante. Apesar das limitações, nós todas temos esse impulso de criar. Ao mesmo tempo tem se experimentado muito, buscando o máximo de proveito dessas estruturas que se tornaram bem mais acessíveis. Mas falo isso sem a ilusão de que essa produção virtual represente de uma forma clara e consistente, uma nova vertente, um novo caminho para o teatro. É provável que depois da pandemia, esses elementos técnicos e suas múltiplas possibilidades irão continuar vibrando dentro do espaço do teatro, e vão oferecer possibilidades de pesquisa. Mesmo assim, as peças voltarão a ser feitas nas salas, talvez incorporando canais acessíveis para as pessoas que estejam distantes. Essa é uma novidade tecnológica que já existia, mas agora se simplificou e por isso estimula a pesquisa. Acho que essa circunstância nos modifica, nos provoca, mas também nos restringe ao mesmo tempo. Temos aqui uma combinação de elementos e por isso será necessário estimular a reflexão sobre esse cenário novo que se apresenta. No entanto, o impulso de estar junto com outras pessoas fazendo trabalhos de atuação, de direção, de concepção e de escritura se mantem e se fortalece. O que se está dizendo é: “nós seguimos sendo uma rede”. Este tem sido o elemento mais importante de toda essa produção.



*Texto publicado com a autorização do autor.


Foto: André Carreira_arquivo pessoal


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