Festival de Teatro de MANIZALES 2015

Cenas de um grande festival
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Cena 1 - Pós-festival
Sentada na varanda da minha casa, leio, no dia 12 de outubro, em um dos maiores
jornais do Brasil, uma extensa reportagem sobre a expectativa que a Colômbia vive,
desde a histórica cena de aperto de mãos entre o presidente do país e o líder das FARC
no dia 23 de setembro, que mostrou que o acordo de paz que vem sendo tecido em
Havana, está mesmo a caminho de acontecer em março de 2016.
Cena 2 – Flashback
A luz sobe lentamente, três atores do Umbral Teatro: o homem, sua esposa e a mulher
do rio.
O marido vendo a esposa desesperada com o desaparecimento de seu filho, promete a
ela que o buscará sem trégua, até que consiga trazer ao menos o seu corpo para que
possam enterrá-lo. Black out.
Luz reacende e mostra o marido que chega a um lugar recôndito no meio de uma
floresta e se encontra com uma mulher que, vivendo à beira do rio, recolhe os cadáveres
que boiam por ali e os vende a familiares que necessitam de corpos para que possam
cumprir o ritual enterrar seus entes desaparecidos, mesmo que seja com cadáveres
substitutos. Pagando um alto preço ele entrega um corpo à sua mulher, na esperança
mórbida de suavizar a tremenda angústia.
Cena 4 – No restaurante do Club Manizales
14 horas, dia 12 de setembro, ele passa a mão na mesa do restaurante e nos mostra
aquele pó duro, áspero, que se juntou em pouco tempo, pois ele mal acabou de limpar e
preparar todas as mesas para abrir o recinto. Todos os dias têm sido assim há meses,
explica o garçom, desde que o Nevado El Ruiz começou a expelir cinzas. Entre os
artistas de várias partes do mundo, presentes no Festival, há aqueles que nunca
estiveram tão próximos de um vulcão, e para eles o alerta amarelo tendente a laranja é
algo extraordinário e causa estranha expectativa, mista de receio e um certo frisson. O
jornal do dia explica que como o vulcão está a 28 quilômetros da cidade, se ele se
“comportar dentro do previsto”, não há nenhum perigo.
Hum...
Há exatos 30 anos, em 1985, este mesmo Titã da cordilheira dos Andes fez submergir
com lava e cinza toda uma cidade que estava em meio caminho a Manizales e deixou o
estupor e a saudade de 23.000 pessoas...
Cena 5 – flash mais back ainda: histórias ouvidas
No ano de 2000, um grupo de dança do Brasil se preparava para entrar em cena na
abertura do Festival no Teatro Los Fundadores, o maior teatro de Manizales com
público de 1200 pessoas, quando soa um alerta para a evacuação da sala. Suspeita de
bomba no recinto, montada pelas FARC.
O espetáculo só pôde começar depois que vasculharam todo o teatro e encontraram um
pacote com garrafas vazias na lixeira do foyer. Medo geral, ainda mais para os
bailarinos brasileiros que, jovens que eram, nunca haviam passado por ameaças deste
tipo.
Cena 6 – Se o rio falasse...
Mais um rio carrega seus mortos anônimos recolhidos pela mulher que os cuida, os
canta, os reza, pelas mãos poéticas e comprometidas dos atores do La Candelaria.
Cena 7 – Pós-festival 2
Debruçada no computador, no momento que escrevo essas linhas que vão surgindo,
levando minhas mãos a tecer uma reflexão e impressão da XXXVII Edição do Festival
Internacional de Teatro de Manizales, percebo que este festival é mesmo sempre
explosivo, seja pelas fumaças vulcânicas, seja pelos estampidos de uma guerra que
insiste em se manter por tantas décadas, contaminando todo o país, seja por tantas obras
teatrais impactantes que esta cidade tem visto durante esses 48 anos de intensa vida
artística.
Às ameaças que tantas vezes o instigaram e o cercaram, o festival sempre reage, não
foge à luta, e dedica sua edição de 2015 à expectativa da era pós-conflito, e declara que
“teatro é cultura e política”, não podendo passar ao largo da luta do país contra o medo e
o terror que assombrou gerações. E assim tenta contribuir para o acordo, através da
forma que lhe compete: com coragem, poética, beleza. Um festival que sempre se
dedicou aos conflitos humanos, políticos, sociais, culturais, agora se dedica a ajudar a
construir a paz.
Que seria do festival se não estivesse integrado ao que pedem os corações e mentes de
seu público? Talvez não tivesse os teatros lotados, as bilheterias agitadas, as longas filas
na rua esperando a abertura das salas, formadas por jovens, adultos, estudantes, idosos,
crianças; as matérias nos jornais e TVs da região, os motoristas de taxi envolvidos com
o evento, as redes sociais de tantos coletivos teatrais de tantos países do mundo
manifestando a sua satisfação por participar de um evento tão, tão... tão... necessário!
Ângela Mourão
Observatório dos Festivais
P.S.:
A XXXVII edição do Festival Internacional de Teatro de Manizales, realizada de 04 a
13 de setembro de 2015, contou com a presença de 600 artistas de 15 países inclusive
do Brasil, representado por quatro grupos de teatro de Minas Gerais reunidos em torno
da Platô.
Incluiu em sua programação seis obras dedicadas ao tema da guerra política vivida na
Colômbia nos últimos 60 anos, além do Seminário “Cenários para o pós-conflito:
propostas e reflexões a partir da cultura e das artes”, no âmbito do programa Palavras
em Cena.
Se você ficou curioso, há muitas fontes de pesquisa:
www.festivaldemanizales.com
www.facebook.com/FITManizales?fref=ts
www.kioskoteatral.com/eventos-academicos-en-el-festival-de-manizales
www.facebook.com/PLATÔ - Plataforma de Internacionalização do Teatro
E muitas mais: procure no google por Manizales, Colômbia, teatro, vulcão, guerrilha,
pós-conflito, etc e tal!!!